CANELA – Com aprovação em primeiro lugar no edital da lei Paulo Gustavo, em Canela, o projeto “Kaingang Si Fir Tár Kigróg – o Descobrimento” está dando vida a um curta-metragem “Fuá – o Sonho” concebido, sonhado e agora sendo realizado em colaboração com o coletivo de mulheres da comunidade Kaingang Kógunh Mág, localizada em Canela, onde uma menina kaingang parte em busca de uma planta, sagrada para a sua etnia, que apareceu nos seus sonhos.
O roteiro teve a colaboração da antropóloga Elisa de Castro e Kujà Gah, líder espiritual da etnia Kaingang. O curta-metragem Fuá – o Sonho tem como proposta abrir uma janela para amplificar a poderosa voz das mulheres kaingang, permitindo que elas narrem e resgatem sua profunda conexão com as plantas alimentícias e medicinais. Na língua kaingang, o mesmo radical que significa alimento também se refere a remédio, evidenciando a visão intrínseca de que as plantas não apenas nutrem o corpo, mas também possuem propriedades medicinais. Os Jãgre, espíritos que residem nessas plantas, desempenham um papel vital nessa relação. Viviane Farias, diretora do curta e integrante da etnia kaingang, conta emocionada sobre a oportunidade de dar voz para as suas crenças e mostrar a força da ancestralidade neste curta: “Eu carreguei a Fuá quando pequenininha, fiquei lá olhando atrás das câmeras e vi como ela cresceu, como está seguindo o exemplo dos avós, o seu Zilio e da dona Nilda. Eu choro de emoção ao ver isto tudo acontecendo”.
No entanto, essa conexão ancestral tem sido enfraquecida por diversos fatores, incluindo a cosmofobia, termo cunhado por Nego Bispo. Conforme ele afirmava, a cosmofobia é uma enfermidade do povo colonialista, manifestando-se no medo do sagrado. O avanço das igrejas evangélicas nos territórios e a demonização dos Kujàs (pajés) são alguns dos sintomas dessa enfermidade.
Este filme busca documentar, reconhecer e celebrar os conhecimentos ancestrais Kaingang que são transmitidos de geração em geração. Ao destacar a relação sagrada entre as mulheres kaingang e as plantas, o projeto visa preservar e fortalecer essa tradição valiosa, resistindo às influências que ameaçam a riqueza espiritual e medicinal deste povo. Já na oficina de preparação de elenco do curta-metragem, com a diretora e atriz Lisiane Berti, foi destacado a coragem feminina em preservar a sua cultura. “Estas oficinas precisam acontecer mais seguido, não somente para o curta metragem, porque a arte é necessária, principalmente pra quem tem coragem e isso as mulheres kaingang tem de sobra”, frisa a diretora.
As gravações de Fuá – o Sonho também aconteceram na Retomada Gãh Ré, no Morro Santana, em Porto Alegre. Tendo a participação de Kujà Gah Té orientando o roteiro e também gravando com a equipe. “Os dias de produção de Fuá – o Sonho têm sido intensos, cansativos e, acima de tudo, realizadores. Esta é a primeira produção sonhada e realizada pelo coletivo de mulheres da aldeia Kógūnh Mág, em colaboração com produtores não-indígenas”, completa Amallia Brandolff.
O processo tem sido uma jornada de aprendizado mútuo, onde as tradições e perspectivas se entrelaçam com novas técnicas e abordagens criativas. O resultado promete ser uma expressão autêntica de identidade, cultura e visão compartilhada, onde a realidade e a ficção se encontram. Os dias de filmagem estão sendo uma oportunidade de fortalecimento das relações, de celebrar a diversidade e de dar voz às narrativas, que há tanto tempo ansiavam por serem contadas.